martes, 17 de noviembre de 2015

Mia Couto escreve sua autobiografia, em registro poético

Mia Couto escreve sua autobiografia, em registro poético

Mia Couto, em “Vagas e lumes”.
mc 1234
Lisboa: Editorial Caminho, 2014.


por 

Autobiografia
Onde eu nasci
há mais terra que céu.
Tanto leito é uma bênção
para mortos e sonhadores.
E de tão pouco ser o céu
nasce o sol
em gretas nos nossos pés
e os corações se apertam
quando remoinhos de poeira
se elevam nos telhados.
As mães
espanam o teto
e poeiras de astros
cobrem o soalho.
De tão raso o firmamento,
a chuva tropeça nas copas
enquanto nuvens
se engravidam de rios.
Com tanta escassez de céu
não há encosto
nem para a mais minguante lua
e os meninos,
na ponta dos dedos,
ascendem estrelas.
Pois,
nessa terra
que é tanta para tão pouco céu,
calhou-me a mim ser ave.
Pequenas que são,
as minhas asas parecem-me enormes.
Envergando,
escondo-as dos olhares vizinhos.
Nas minhas costas
pesam
versos e plumas.
Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou de céu
a pegada do voo que sonhei.
Mia Couto, em “Vagas e lumes”.

domingo, 8 de noviembre de 2015

LENDO POEMAS DE MIA COUTO NA BIBLIOTECA CENTRAL DE FERROL

O LUNS, 16 DE NOVEMBRO, CON SEUS POEMAS NAS MANS.


Diz o Meu Nome


Diz o meu nome 
pronuncia-o 
como se as sílabas te queimassem 
                                  [os lábios 
sopra-o com a suavidade 
de uma confidência 
para que o escuro apeteça 
para que se desatem os teus cabelos 
para que aconteça 

Porque eu cresço para ti 
sou eu dentro de ti 
que bebe a última gota 
e te conduzo a um lugar 
sem tempo nem contorno 

Porque apenas para os teus olhos 
sou gesto e cor 
e dentro de ti 
me recolho ferido 
exausto dos combates 
em que a mim próprio me venci 

Porque a minha mão infatigável 
procura o interior e o avesso 
da aparência 
porque o tempo em que vivo 
morre de ser ontem 
e é urgente inventar 
outra maneira de navegar 
outro rumo outro pulsar 
para dar esperança aos portos 
que aguardam pensativos 

No húmido centro da noite 
diz o meu nome 
como se eu te fosse estranho 
como se fosse intruso 
para que eu mesmo me desconheça 
e me sobressalte 
quando suavemente 
pronunciares o meu nome 

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho' 


MIA COUTO, UN POETA DO MUNDO (O día 16, luns, do mes de Novembro, 2015)

Não Sabemos Ler o Mundo
Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros.
Vale a pena ler livros ou ler a Vida quando o acto de ler nos converte num sujeito de uma narrativa, isto é, quando nos tornamos personagens. Mais do que saber ler, será que sabemos, ainda hoje, contar histórias? Ou sabemos simplesmente escutar histórias onde nos parece reinar apenas silêncio?
Mia Couto, in 'E Se Obama Fosse Africano?'
MIA COUTO